A ANTECIPA, Associação que reúne pesquisadores, profissionais e estudantes que tem como corpus de estudo os bens culturais com o objetivo de contribuir por meio do conhecimento das diversas Ciências para a sua salvaguarda, vem manifestar a sua indignação e tristeza perante uma das maiores e mais doloridas perdas do Patrimônio Cultural Brasileiro. Nos solidarizamos com todos os funcionários, pesquisadores e estudantes, e demais pessoas que direta ou indiretamente lutavam diariamente pela permanência do Museu Nacional e enfrentaram inúmeras dificuldades por amor a esse patrimônio e tudo o que ele representava para o nosso país.
Ver o Museu Nacional ser consumido pelas chamas no dia 02 de setembro de 2018 é o retrato lastimável dos (des)caminhos percorridos pelo país nos últimos anos. Educação, ciência e cultura estão longe de ser uma prioridade no Brasil, mesmo que correspondam à base fundamental para estabelecer o desenvolvimento de um país. O Museu Nacional era detentor de um acervo de valor inestimável, talvez o mais importante do país para a história da nossa cultura e da nossa natureza. E, mesmo com todas as suas limitações orçamentárias, mantinha viva a nossa identidade cultural mais longínqua, foi palco de importantes fatos históricos e, principalmente, mais do que um patrimônio, foi um lugar registrado na memória afetiva de inúmeros brasileiros, de diferentes gerações, com forte valor simbólico de pertencimento ao lugar. Guardião da nossa memória, era um orgulho para o povo brasileiro materializado em cultura e conhecimento.
Mesmo distante das prioridades para garantir sua manutenção, a sua significância cultural para as pessoas sempre foimuito forte. O sentimento doloroso ao ver se perder algo tão importante impulsionou, em cada um de nós, profissionais/pesquisadores do patrimônio ou não, a vontade de nos arriscar a salvar alguma coisa ao assistir incrédulos tamanha destruição. Compartilhamos da dor e do desespero dos pesquisadores e estudantes que enfrentaram a fumaça e colocaram a própria vida em risco para resgatar parte do acervo, dos equipamentos e materiais de pesquisa que eram possíveis de serem alcançados. Essa tristeza e angústia que envolve toda a comunidade científica brasileira e recebe a solidariedade da comunidade internacional é um sentimento desolador, que deixa agora, somente a lembrança das
chamas registradas em nossa memória.
O significado dessa perda está longe de ser completamente compreendido, mas todos sabemos que é irrecuperável. Trata-se de uma lacuna de dimensões sem precedentes na história do Brasil, deixando a milhares de pesquisadores e profissionais da área do Patrimônio o sentimento de impotência perante a grandiosidade dessa tragédia anunciada. Não
há o que fazer por maior que seja o nosso conhecimento e por mais eficiente que seja a tecnologia que temos disponível, nem mesmo a disponibilização de recursos humanos e financeiros reverterá tamanha destruição. Boa parte do acervo não mais existe. Nenhuma tecnologia fará as cinzas voltarem a ser peças que eram antes, é um dano irreversível. As ações daqui para frente resultarão no ressurgimento (literalmente das cinzas) de um novo Museu Nacional, com lembranças deste setembro sombrio para a nossa cultura e nossa história e a lembrança dessa tragédia dificilmente será esquecida.
Iniciamos o mês, que simbolicamente lembra renovação pela chegada das flores, sem boas novas para o Patrimônio Cultural Brasileiro. Porém, precisamos imediatamente inventar “uma nova canção que venha nos trazer sol de primavera” para renovar a trajetória de luta diária dos muitos profissionais do Patrimônio, dos cientistas e dos educadores, para nos fazer acreditar que é possível viver em um país em que a cultura, a ciência e educação estejam entre as principais prioridades dos nossos gestores e estes sejam os seus maiores defensores.
A todos os colegas do Museu Nacional, estamos com vocês e contem conosco.
Belo Horizonte, 03 de setembro de 2018
Thais A. Bastos Caminha Sanjad
Presidente da ANTECIPA